Todos os argumentos para impedir pessoas com deficiência e recursos de ibilidade em aviões 2s3i66
Setor aéreo identifica ageiros com deficiência como um problema e a Anac quer impor ainda mais restrições para dar a empresas e aeroportos poder unilateral em decisões semelhantes à que proibiu um cão de serviço de embarcar em voo para Portugal; episódio 193 da coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado. 294k6
O bloqueio da companhia aérea TAP ao embarque do cão de serviço de uma menina autista é exemplo muito claro da dinâmica que envolve o transporte de pessoas com deficiência em aviões no País. Impedir a presença do cachorro que foi treinado para apoiar a criança neurodivergente é o mesmo que negar ibilidade a quem precisa desse recurso, usando todo e qualquer argumento burocrático para justificar a recusa. 64e73
Entre os motivos apresentados pela companhia aérea para o impedimento estavam o risco pela presença do cão na cabine e a ausência do certificado para animais de serviço. A empresa disse ainda que apresentou várias opções, "preocupada com o bem-estar da família e a segurança dos ageiros" (entenda os detalhes).
Esses são os mesmos motivos destacados por outras companhias aéreas quando o embarque de uma pessoa com deficiência não é autorizado ou quando um recurso de ibilidade é proibido. Casos sobre cão-guia, cadeira de rodas motorizada, almofadas para cadeirante e outros equipamentos ou serviços se repetem, sempre colocando ageiros com deficiência como um problema.
São as mesmas razões apresentadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na proposta de atualização da Resolução nº 280, de 11 de julho de 2013, "sobre assistência especial e ibilidade de ageiros com necessidade de assistência especial ao serviço de transporte aéreo".
A consulta pública n° 2/2025 a respeito dessa atualização, aberta em janeiro e encerrada no último dia 27 de maio, teve 625 contribuições, segundo o sistema 'Participa + Brasil', do governo federal, mas ainda não há divulgação dos resultados. "As sugestões recebidas estão em fase de análise", informa a página.
Uma audiência pública foi feita em 13/3, com participação de instituições que representam as pessoas com deficiência (leia aqui a reportagem completa).
Questionada pelo blog Vencer Limites a respeito dos resultados da consulta pública, a Anac não respondeu.
Dois pontos da proposta se destacam: a alteração do conceito sobre quem é esse ageiro com necessidade de assistência especial, chamado de PNAE, e a permissão à empresa aérea de decidir de maneira unilateral qual pessoa com deficiência tem autonomia e independência para viajar sozinha.
Conceito - A resolução estabelece que (artigo 3) "ageiro com necessidade de assistência especial (PNAE) ao serviço de transporte aéreo é entendido como qualquer pessoa que, por alguma condição específica, tenha limitação na sua autonomia ou mobilidade como ageiro e que requeira assistência especial", ou seja, toda e qualquer pessoa que se apresente com essas características.
É fundamental ressaltar aqui que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (n° 13.146/2015) considera pessoa com deficiência (artigo 2) "aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". Isso significa que, para a atual legislação brasileira, a pessoa com deficiência tem direito garantido à ibilidade que garante a sua cidadania e não é responsável pela construção e oferta desses recursos.
Contraditório - No trecho que trata da autonomia e da independência do ageiro com necessidade de assistência especial, a proposta da Anac é, no mínimo, preocupante, além de contraditória.
A resolução afirma que esse ageiro com necessidade de assistência especial (artigo 14) "possui autonomia e livre arbítrio acerca de seus próprios cuidados pessoais, cabendo-lhe a decisão de viajar desacompanhado ou acompanhado", (artigo 15) "o transportador aéreo não pode restringir o transporte desacompanhado sob alegação de incapacidade dos próprios cuidados pessoais, podendo ser exigida autodeclaração assumindo plena responsabilidade por esses cuidados", e a pessoa (artigo 17) "com condição severa de limitação de autonomia ou mobilidade é impedida de viajar desacompanhada por avaliação do transportador aéreo sempre que, (item III) em virtude de limitação motora severa, não esteja apto a participar fisicamente da sua própria evacuação da aeronave em caso de emergência".
Como isso funcionaria na prática? Uma pessoa paraplégica que usa cadeira de rodas, por exemplo, pode ter autonomia para fazer tudo sozinha, inclusive entrar em sair do aeroporto e do avião pelos meios de ibilidade exigidos por lei, fazer a própria movimentação entre a cadeira de rodas e a poltrona do avião, e não precisa de nenhum acompanhante. Alguém com amputações e que usa, ou não, próteses, também pode ser plenamente capaz de se cuidar sozinha. Um indivíduo que se locomove apoiado em muletas também pode ser independente. Então, quais seriam os critérios para determinar essa "limitação motora severa"?
Nesse sentido, a sequência da resolução estabelece que (artigo 19) "o ageiro é responsável pela informação prévia ao transportador aéreo acerca de sua aptidão e saúde física e mental para realização de voo", mas esse ageiro pode ter o embarque impedido se (item IV) "causar perigo ou desconforto a outros ageiros devido sua condição física ou comportamental".
Especialmente neste trecho, a proposta da Anac mostra-se capacitista e discriminatória. Qual "perigo ou desconforto" uma condição física pode gerar a outros ageiros?
Diante da situação do labrador Teddy e da proposta da Anac, uma pergunta básica ainda não está respondida: pessoas com deficiência serão expulsas de aviões?
