Script = https://s1.trrsf.com/update-1749766507/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Mais de 50 mil crianças têm oficialmente duas mães no Brasil 29855

Dia do Orgulho Lésbico é oportunidade para reforçar a garantia dos direitos das mulheres lésbicas no país, como a dupla maternidade 654s6f

19 ago 2023 - 05h00
(atualizado às 09h04)
Compartilhar
Exibir comentários
Isabelle e Anik optaram pela FIV com ovodoação para viabilizar o sonho de se tornarem mães
Isabelle e Anik optaram pela FIV com ovodoação para viabilizar o sonho de se tornarem mães
Foto: Ana Paula Rolon/@foto.o.lhar

O Brasil tem hoje mais de 50 mil crianças com os nomes de duas mães na certidão de nascimento. O número oficial divulgado no ano ado pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR) foi o de 47.124 registros em todo o país e contemplou o período de 2013 e fevereiro de 2022. 3d575w

Conforme dados atualizados fornecidos ao Terra NÓS pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN Brasil), o ano de 2022 totalizou 5.017 registros de bebês com duas mães. O levantamento atual da ARPEN Brasil, contabilizado até julho de 2023, indica 2.918 registros - o que representa 13,7 registros por dia. 

No Dia do Orgulho Lésbico, celebrado hoje, 19, o fato de ter mais de 50 mil crianças com os nomes de duas mães na certidão de nascimento merece ser exaltado por jogar luz à realidade da dupla maternidade em casais lésbicos - e todos os desafios que envolvem a questão.

É importante ressaltar, porém, que os dados não indicam que todos os registros tenham sido feitos por casais de mulheres lésbicas. A legislação brasileira permite o registro de crianças para além de um casal com o reconhecimento da responsabilidade socioafetiva, que inclui mais uma pessoa a certidão de nascimento. É o caso de uma certidão com o nome do pai, da mãe biológica (viva ou não) e da mãe socioafetiva, ou seja, aquela que ou a se incubir ou também se incube dos cuidados com a criança.

NÓS Explicamos: o que as lésbicas não aguentam mais ouvir?:

Outro fato relevante a se destacar: a quantidade de crianças criadas por casais lésbicos no Brasil é provavelmente bem maior, uma vez que estamos lidando com números de certidões oficiais. Há todo um contingente de meninos e meninas em lares homoafetivos com o nome de apenas uma mãe - na grande maioria das vezes, a biológica - no registro.

Como funciona o registro da criança

A advogada Luisa Poio Oliveira Bartolomeu, representante do grupo de afinidade LGBTQIAPN+ do grupo TozziniFreire Advogados, explica que não é mais indispensável que o casal de mulheres seja casado oficialmente no papel para registrar o bebê em cartório, mas que ao menos uma certidão de união estável é solicitada. Além disso, é obrigatória a apresentação da Declaração de Nascido Vivo (DNV) e um documento com firma reconhecida do diretor técnico da clínica de reprodução assistida que ateste a Fertilização in Vitro (FIV) ou a inseminação artificial. "Embora a reprodução assistida seja muito cara no Brasil, a inseminação caseira, também chamada de autoinseminação, pode ser um entrave na hora de colocar no registro o nome da mãe que não gestou o bebê", diz.

Na falta de uma regulamentação específica, o registro somente poderá ser feito em nome da parturiente, cabendo à esposa ou companheira invocar a tutela jurisdicional (de um juiz) para pleitear a inclusão da dupla parentalidade.

Raquel e Thayla: invalidação da mãe que não gesta é obstáculo diário da dupla maternidade
Raquel e Thayla: invalidação da mãe que não gesta é obstáculo diário da dupla maternidade
Foto: Reprodução/Instagram/@duplamaternidade.real

Casais que não formalizaram o relacionamento no papel, em geral, precisam entrar com uma ação judicial comprovando a união estável para solicitar o registro da criança.

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o PL 5423/20, de autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS), que visa alterar a legislação vigente para permitir que casais homoafetivos tenham o direito ao registro de dupla maternidade ou paternidade de seus filhos, independente do estado civil. No momento, é comum que apenas um dos membros do casal seja registrado como pai ou mãe, deixando o outro como pai ou mãe socioafetivo, sem qualquer vínculo legal com a criança. É uma lacuna jurídica que pode gerar insegurança e prejudicar a garantia de direitos fundamentais.

Licença-maternidade e licença-paternidade

Para a mãe que gesta, a legislação prevê 120 dias de licença-maternidade. Já a outra mãe tem direito aos cinco dias da chamada licença-paternidade, que não conta com remuneração. "Em caso de adoção, as duas podem escolher entre si quem vai ter direito à licença-maternidade e quem vai ficar com os cinco dias de direito da licença-paternidade. Essas licenças são válidas para a adoção de crianças de qualquer idade, pois a lei não impõe mais o limite de idade", conta Clara Pacce Pinto Serva, sócia e Head de Empresas e Direitos Humanos do TozziniFreire Advogados.

Em caso de separação do casal, os trâmites são os mesmos válidos para um casal heterossexual, inclusive no que diz respeito à pensão e à guarda da criança. "No entanto, é essencial ter em mente que o meio judiciário é conservador e é possível que a mãe biológica seja favorecida em alguns apectos", diz Luisa, que informa ainda que, em caso de divórcio durante a gestação, a gestante tem direito a pensão de alimentos gravídicos.

A seguir, contamos as histórias de dois casais de mulheres que fizeram questão de registrar seus filhos com os nomes das duas mães e que contam um pouco sobre suas vivências com a dupla maternidade.

"Decidimos trabalhar com direitos LGBT após tantos desafios"

Isabelle Nobre, 33 anos, coordenadora de assuntos educacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e a educadora Anik Arruda, 32, cursaram Direito na mesma faculdade, na mesma época, e nunca se esbarraram. O Tinder, no entanto, as uniu e lá se vão quase cinco anos de um relacionamento feliz e, no momento, embalado por cantigas de ninar para Zuri e Nilo, de apenas dois meses.

"Têm sido dias muito cansativos, mas muito intensos", conta Isabelle, por telefone. Anik, que conversou com Terra NÓS via viva-voz enquanto amamentava os gêmeos, foi quem gestou os bebês. 

O casal optou por engravidar via FIV, mas o alto valor da técnica era um empecilho para a realização. Foi quando souberam da possibilidade da ovodoação compartilhada. Aprovado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), o método consiste em uma mulher que está ando pela FIV dividir seus óvulos com outra mulher que também a pelo procedimento e, dessa forma, os gastos são divididos.

"É uma estratégia que viabiliza a reprodução assistida para muitas famílias que, como a nossa, não podiam arcar com todos os altos custos dos procedimentos", diz Isabelle. 

Anik e Isabelle com os gêmeos Zuri e Nilo: tratamentos reprodutivos não levam em conta as realidades das pessoas LGBTQIAPN+
Anik e Isabelle com os gêmeos Zuri e Nilo: tratamentos reprodutivos não levam em conta as realidades das pessoas LGBTQIAPN+
Foto: Reprodução/Instagram/@duplamaternidadecritica

Foram quase dois anos de tentativas em que Isabelle, a doadora dos óvulos, ou por uma bateria de exames e injeções de hormônios, além de enfrentar a anestesia geral para a punção e uma série de efeitos colaterais. "Os protocolos, nesses casos, parte do pressuposto de que a mulher tem problemas de fertilidade, o que não era o caso. Para se ter uma ideia, a Isabelle teve 27 óvulos doados. Há uma superestimulação hormonal nessas circustâncias, já que não há regulamentação sobre quantidade, para que a mulher doe o máximo possível. É uma realidade que desconsidera totalmente as necessidades das mulheres lésbicas e de pessoas trans", enfatiza Anik, ressaltando que os acontecimentos as levaram a decidir pela especialização em direitos da comunidade LGBTQIAPN+.

Na hora de escolher o doador de esperma, o ponto da diversidade também mereceu atenção. "Eu queria que o doador fosse uma pessoa não branca, preferencialmente indígena, mas não havia nenhum doador indígena cadastrado. Sou filha de pai preto e mãe indígena e me considero preta. No fim, acabamos escolhendo um doador indiano", relata Anik.

Enquanto se vêem às voltas com as descobertas da maternidade, as duas compartilham suas experiências no perfil do Instagram @duplamaternidadecritica e refletem, juntas, sobre os próximos os da organização da rotina. Isabelle tirou a licença-paternidade; já Anik, autônoma, deve seguir trabalhando em home office. 

"A mãe que não gesta enfrenta mais preconceito"

Thayla Lemos, 28 anos, e Raquel Gomes, 26, são técnicas de enfermagem e se conheceram no hospital onde trabalhavam. Elas moram na capital paulista e estão juntas há cinco anos. Quando se conheceram Raquel já era mãe de Richard, hoje com 10 anos, e Thay nem pensava em ser mãe até o dia em que foi acometida por uma vontade louca de ter um filho e vivenciar a experiência de gestar. Optaram pela inseminação artificial, por ser um pouco mais em conta do que a FIV e pelo desejo de deixar tudo formalizado, e o processo todo levou cerca de um ano.

"Em plena pandemia, nos viramos e arrumamos quatro empregos para conseguir arcar com os custos", relembra Raquel, também chamando a atenção para o quanto os tratamentos reprodutivos são excludentes no Brasil, principalmente levando-se em conta os recortes de raça e classe social.

Thay com Raquel, o filho dela, Richard, e a pequena Cecília: dupla amamentação e divisão de tarefas
Thay com Raquel, o filho dela, Richard, e a pequena Cecília: dupla amamentação e divisão de tarefas
Foto: Reprodução/Instagram/@duplamaternidade.real

Hoje a pequena Cecília tem um ano e trouxe ainda mais felicidade para o casal, que, ado o estranhamento inicial das famílias com o relacionamento das duas, vive uma rotina doméstica em harmonia. "Mamãe Thay cuida da casa e mamãe Raquel das tarefas com as crianças", explica Raquel, que relata ter adotado protocolo de indução à amamentação para também amamentar a filha - Isabelle, parceira de Anik, fez a mesma coisa.

A única pedra no caminho desse dia a dia compartilhado na página do Instagram @duplamaternidade.real é, como costuma ocorrer na vida de qualquer pessoa LGBTQIA+ (sobretudo no Brasil), o preconceito. No entanto, mais do que olhares tortos e preconceituosos sobre a existência de uma criança com duas mães, o que mais incomoda o casal é invalidação do papel de Raquel pelo fato dela não ter gestado a Cecília. "É comum que algumas pessoas desmereçam a minha maternidade, afirmando que só a Thay é a 'mãe de verdade' ou se dirigindo somente à ela para perguntar, por exemplo, se a Cecília dorme ou se alimenta bem", diz Raquel.

Filha de pais evangélicos, ela faz questão de enaltecer o apoio recebido pela mãe quando esta, questionada se deveria celebrar a chegada de uma neta que não nasceria da barriga de sua filha, respondeu: "É minha neta, sim, não importa da maneira que está vindo. E ponto final".

10 lésbicas famosas e suas belas famílias 10 lésbicas famosas e suas belas famílias

Fonte: Redação Nós
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Seu Terra












Publicidade