Está liberado 'brincar' de ser capacitista e racista no Brasil? w1g6r
Episódio 194 da coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado. 92372
As reações à condenação do comediante Leo Lins mostram que, para a maioria daqueles que se manifestaram a respeito da sentença imposta ao humorista, está liberado no Brasil 'brincar' de ser capacitista e racista, apesar do vigor da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (n° 13.146/2015) e da lei que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor (n° 7.716/1989). 19534k
Procurados pelo blog Vencer Limites, Leo Lins e seus representantes não responderam. Na autodefesa que publicou na internet, o artista alega que se trata de obra de ficção, palavras de uma personagem, e não do próprio autor, em um teatro fechado para um público pagante que escolheu estar naquele local.
A sentença, no entanto, trata de publicações no YouTube e a juíza menciona o artigo 88 da Lei Brasileira de Inclusão.
TÍTULO II
DOS CRIMES E DAS INFRAÇÕES ISTRATIVAS
Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
§ 1º Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente.
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:
I - recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório;
II - interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na internet.
§ 4º Na hipótese do § 2º deste artigo, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.
Leo Lins não foi condenado por contar piadas em um espaço fechado, mas sim por publicar e replicar em meios de comunicação uma mensagem considerada pela Justiça preconceituosa e discriminatória, crime previsto na LBI, lei em vigor há menos de uma década, ainda desconhecida pela população em geral, até mesmo pela população com deficiência, mas que existe para defender a dignidade da pessoa com deficiência.
Se mensagem com o mesmo viés usado por Leo Lins fosse publicada no YouTube sem o argumento da 'piada', por jornalista, advogado, publicitário, parlamentar, empresário, qualquer pessoa, haveria discussão sobre liberdade de expressão e censura ou teríamos uma indignação coletiva imediata com exigência de rigor máximo na punição?
Agora, basta dizer que é 'brincadeira' e a mesma mensagem, exatamente igual, se torna, automaticamente, isenta de ser tratada como preconceituosa e discriminatória? Qual seria a abrangência dessa isenção? A frase "preto macaco escravo" escrita no muro de uma escola não é racista se o autor disser que é uma piada? Podemos rir de uma suástica desenhada na calçada de uma embaixada se o artista alegar que é uma ficção irônica? Carregar uma faixa com as palavras "estuprar até sangrar" em evento universitário é autorizado se for uma brincadeira de estudantes?
Muitas manifestações em defesa de Leo Lins vieram de pessoas que não são atingidas pelo capacitismo e pelo racismo, ou seja, gente branca e sem deficiência, mas essas pessoas têm certeza absoluta de que não há nenhum problema em ser 'recreativo' usando a dor alheia.
Acima de tudo, ser alvo de ataques capacitistas ou racistas dói, essa dor dificilmente vai embora e ela não é opcional.
Felizmente, nossa sociedade evolui, ainda que lentamente, e isso possibilita a construção de novos entendimentos a respeito da discriminação e do preconceito, e abre espaço para o combate efetivo a esse tipo de comportamento, inclusive com a discussão e aprovação de leis que punem quem prefere ignorar esses avanços.
Para quem insiste na tese de que, por ser humor, tudo é possível, lanço um desafio: publique em suas redes e canais de vídeo 'piadas' sobre, por exemplo, nazismo, escravidão, estupro, violência doméstica e genocídio, mas use a mesma estrutura aplicada por Leo Lins, na qual os 'zoados' são os alvos dessas agressões e não os agressores.
Aliás, pensando nesse tipo de conteúdo, se a função do humor é fazer uma crítica social, o que, exatamente, Leo Lins critica?
Documento 6q20r
Leia a sentença completa imposta a Leo Lins