Cannes acerta na Palma de Ouro e emociona. E o que isso pode dizer sobre o Oscar 2026 e o Brasil? 375h53
O Festival de Cannes 2025 encerrou sua edição com a comovente vitória do iraniano 'It Was Just an Accident', a dobradinha de prêmios para o brasileiro 'O Agente Secreto' e o reconhecimento do norueguês 'Sentimental Value' 5x6w3t
Por mais que os brasileiros torcessem por uma Palma de Ouro para O Agente Secreto, que acabou levando dois prêmios no 78º Festival de Cannes, direção e ator, o júri presidido pela atriz sa Juliette Binoche acertou demais ao dar o troféu máximo para o iraniano It Was Just an Accident, dirigido por Jafar Panahi. 665o3p
Não só pela qualidade do filme, um drama tenso com toques de humor sobre um mecânico que sequestra seu torturador, colocando em discussão se vale a pena perder a sua humanidade para se vingar daqueles que tentaram removê-la. Mas também pela carreira do cineasta, que 30 anos atrás ganhou a Caméra d'Or, para melhor longa de estreante, em Cannes, com O Balão Branco (1995), e desde então acumulou prêmios, incluindo o Leão de Ouro por O Círculo (2000) e o Urso de Ouro por Táxi Teerã (2015).
Esse último foi realizado durante a proibição de fazer cinema imposta pela justiça iraniana. Em 2010, Panahi foi preso ao protestar contra o ex-presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad. Ele foi condenado à prisão, depois transformada em prisão domiciliar, e foi impedido de fazer filmes e viajar para fora do país.
Por causa disso, ele não pôde estar no Festival de Cannes daquele ano, onde faria parte do júri. Como homenagem e protesto, o festival manteve sempre uma cadeira vazia para o diretor, simbolizando sua ausência. Na coletiva de imprensa de Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami, ao ser informada da greve de fome iniciada por Panahi na prisão, a atriz Juliette Binoche - presidente do júri deste ano - chorou.
Panahi desafiou o governo filmando clandestinamente, em casas fechadas ou dentro de um táxi, sem poder acompanhá-los aos festivais de cinema, onde continuou ganhando prêmios.
O filme 'It Was Just an Accident' 64x6m
It Was Just an Accident foi inspirado em sua última prisão, em 2022, quando foi se inteirar sobre a situação de seu amigo Mohammad Rasoulof, que dirigiu A Semente do Fruto Sagrado, concorrente ao Oscar de produção internacional em 2025, e que fugiu a pé do Irã por ter sido condenado a prisão, confisco dos bens e chibatadas.
"Foi a República Islâmica do Irã que me jogou na prisão, foi a República Islâmica do Irã que fez este filme. Ela deveria entender que, ao jogar um artista na prisão, precisa arcar com as consequências. Graças à tecnologia, nenhuma instância de poder pode impedir um artista de fazer seu trabalho. Mesmo em uma cela o artista vai continuar se expressando. Mesmo em segredo. Quando um país se comporta dessa maneira, não vai colher outros frutos que não esse."
De Cannes para o Oscar? e393n
A vitória de It Was Just an Accident interrompe uma sequência de quatro anos de Palmas de Ouro para filmes europeus ou norte-americanos falados em francês ou inglês: Titane (2021), Triângulo da Tristeza (2022), Anatomia de uma Queda (2023) e Anora (2024).
Nenhum dos seis filmes falados em inglês na competição deste ano saiu com prêmios de Cannes. Esses dois dados podem apontar para uma influência menor do Festival de Cannes no Oscar deste ano.
Ainda assim, já faz anos que longas-metragens revelados em Cannes acabam tendo uma carreira longa que vai até o Oscar. É o caso do sul-coreano Parasita (2019), por exemplo. E pode ser o caso tanto de It Was Just an Accident - cuja distribuidora norte-americana vai ter de superar o fato de que o Irã dificilmente vai indicar o filme na categoria filme internacional - quanto do brasileiro O Agente Secreto, que saiu forte com dois prêmios, e do norueguês Sentimental Value, de Joachim Trier, vencedor do Grande Prêmio do Júri e a obra mais fácil de gostar da competição.
'O Agente Secreto' tem chance de ir para o Oscar? 6z5p4c
No caso do longa de Kleber Mendonça Filho, apesar de ele não ter o mesmo apelo emocional de Ainda Estou Aqui, é um filme que, mesmo muito brasileiro, comunicou-se muito bem com a plateia multinacional do Festival de Cannes, o que é ótimo sinal.
Wagner Moura, um ator conhecido do público internacional, também pode chegar com chances no Oscar.
A questão é que a Neon também tem os direitos nos Estados Unidos para It Was Just an Accident, Sentimental Value e Sirât, de Oliver Laxe, que dividiu o prêmio do júri em Cannes com Sound of Falling. A ver como vai se desenrolar.
Participação do Brasil no festival de Cannes 2025 583y13
As duas vitórias de O Agente Secreto foram o final perfeito para uma participação recorde do Brasil em Cannes. Nunca se ouviu tanto português na Croisette. Além do filme de Kleber Mendonça Filho, o país apareceu com a coprodução O Riso e a Faca, de Pedro Pinho, na mostra Um Certo Olhar, Para Vigo Me Voy!, de Lírio Ferreira e Karen Harley, na Cannes Classics, com o curta Samba Infinito, de Leonardo Martinelli, na Semana da Crítica, e com os quatro curtas cearenses do projeto Factory, com mentoria de Karim Aïnouz, na Quinzena de Cineastas.
Marianna Brennand, diretora de Manas, foi eleita talento emergente do projeto Women in Motion, dado pela Kering, uma das patrocinadoras do festival.
O Brasil também foi país de honra no Marché du Film, o mercado de projetos em diferentes estágios de desenvolvimento que acontece paralelamente ao festival, com uma delegação de cerca de 400 pessoas, incluindo a ministra da Cultura Margareth Menezes e a secretária do audiovisual Joelma Gonzaga.
No Marché, houve uma programação intensa de debates, encontros de coprodução com outros países e de produtoras brasileiras com festivais do mundo inteiro - os importantes para a internacionalização e para a maior presença dos filmes nacionais nesses eventos.
"É um ano muito especial para o Brasil. O Cinema do Brasil (programa de internacionalização criado em 2006 pelo SIAESP - Sindicato da Indústria Audiovisual de São Paulo em parceria com a ApexBrasil - Agência brasileira de promoções de exportações e investimentos) vem há anos sendo esse espaço", disse André Sturm, presidente do Cinema do Brasil e SIAESP. "Neste ano temos essa conjunção astral maravilhosa, de ter tido um prêmio em Berlim, ganhar o Oscar e vir para Cannes. Esse processo culminou com uma representação recorde e um enorme interesse de outros países."
Presidente da Riofilme, empresa da Prefeitura do Rio, Leo Edde destacou a importância da exportação para o audiovisual. "Setenta por cento da receita de Hollywood vem de exportação. O Brasil precisa tomar esse próximo o que é exportar seus conteúdos. Não só fazer mais coproduções, porque assim a gente consegue viabilizar muito mais projetos brasileiros, mas também os conteúdos. Estar em Cannes foi uma forma de mostrar o Brasil para o mundo e de avisar o mundo de que estamos prontos para fazer negócio."
Acordos firmados em Cannes 556m5m
Durante o Marché, já foram firmados alguns acordos. Por exemplo, do holandês Hubert Bals Fund com a Spcine, a Riofilme e o Projeto Paradiso para apoiar o desenvolvimento de nove filmes brasileiros com potencial internacional, cada um recebendo 10 mil euros.
"A estatística mostra que o Brasil é o país em que o Hubert Bals mais investiu", disse Tamara Tatishvili, diretora do fundo. "O Brasil é um caldeirão de criatividade. É enorme, tem contextos e ângulos variados e histórias significativas. Os cineastas brasileiros são sinceros e determinados."
A Spcine, empresa de cinema e audiovisual de São Paulo, firmou ainda um acordo com a África do Sul, com um edital de desenvolvimento que vai contemplar quatro projetos, dois do Brasil e dois da África do Sul. "Entendemos o investimento em cultura e aqui especificamente do audiovisual como algo estratégico", disse a CEO Lyara Oliveira. "Quando fomentamos o audiovisual, estamos fomentando, sim, a criação simbólica, o artístico, a cultura, a nossa língua. Mas é uma área que faz girar a economia. Estamos falando de empresas cada vez mais estruturadas, que geram renda e emprego e pagam muitos impostos que vão voltar para a cidade e o país. E ao mesmo tempo é estratégico politicamente porque estamos projetando nosso país, nossa cultura, como se vive no Brasil, o que se come."
A Secretaria de Estado de Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo divulgou a Film Commission, que ajuda as produtoras com locações e permissões para filmar em dez microrregiões, e o São Paulo Audiovisual Hub, fórum de debates que acontece de 3 a 13 de julho.
"É extremamente relevante não só por ser o país de honra, mas pelo momento do audiovisual do Brasil", disse Marcelo de Assis, secretário-executivo da Secretaria. "O Estado de São Paulo veio para Cannes com dez empresas para fazer negócios. Nos dois últimos anos, a gente se estruturou para alicerçar essa indústria e fazer uma política do audiovisual que seja de Estado, que pere as gestões."
